Estas foram as palavras de Durão Barroso para justificar a atitude que Bruxelas assumiu como resposta às alterações que o governo húngaro aprovou recentemente sobre a sua constituição.
Parece que mais do que nunca, a economia internacional é um assunto que se desactualiza quase de segundo a segundo.
Após aquela 'tempestade' que a Hungria tem vindo a atravessar desde que entrou em vigor a nova Constituição (mais do que uma Constituição revista é mesmo uma nova Constituição), parece que o primeiro-ministro húngaro, Viktor Órban, resolveu ouvir os conselhos/recomendações/sanções ou seja lá o que for da parte da União Europeia, através da voz do presidente da Comissão, o português José Manuel Durão Barroso.
17 dias após a aprovação da Constituição, Bruxelas fez-se ouvir em força contra aquilo que, nas palavras de Durão Barroso, são várias leis que vão contra as normas comunitárias.
E a União Europeia vai mais longe, ao dar um mês para serem alteradas as tais leis contrárias ao direito europeu. Caso contrário, a Comissão está pronta para tomar as medidas legais necessárias para assegurar a compatibilidade entre os dois conjuntos de normas, podendo levar o governo húngaro ao Tribunal da União Europeia (ou Tribunal de Justiça na União Europeia) no Luxemburgo. As penalizações incluem também sanções económicas e suspensão de envio de fundos comunitários (o que deve ter um efeito no mínimo, desastroso, sobre a já débil economia húngara).
O principal problema apontado por Bruxelas é a perda de independência do Banco Central em que, a exemplo de muitos outros organismos na Hungria, vais estar infestado com membros ou do partido Fidezs, ou nomeados pelo Governo. No caso do Banco Central, serão os vice-governadores a serem nomeados pelo Governo. Outros pontos críticos que são apontados como violadores do Estado de Direito e que não reflectem um Estado Democrático, são o estatuto do organismo oficial de protecção de dados e a ligação entre o Executivo e o poder judicial que fica com mais problemas com a nova Constituição.
No entanto, por mais que isso interesse e preocupe o povo húngaro, os aspectos que são realmente sensíveis para a população, como os limites aos direitos dos cidadãos e a nova lei eleitoral (que reduz o número de deputados de 386 para 199 e que altera os círculos eleitorais favorecendo o Fidezs), não parecem ser da maior importância para a União Europeia. Não está aqui em causa a necessidade de independência das instituições húngaras como o seu Banco Central mas, para o cidadão comum que muitas vezes nem percebe a necessidade de independência do Banco Central (e atrevo-me a dizer que nem sabe para que ele serve...), acaba por perder o apoio (pelo menos para já) da União Europeia naquilo que o irá afectar certamente mais no seu dia-a-dia.
A própria liberdade de imprensa parece já ter sido abalada pelo recente encerramento da emissora de rádio conhecida pela grande oposição que fazia contra o partido do governo. A vice-presidente da Comissão Europeia,Neelie Kroes já se mostrou preocupada com este problema que viola os direitos fundamentais, quer europeus, quer universais. Apesar do Secretário de Estado Húngaro responsável pela comunicação do Governo Zoltan Kovacs ter procurado acalmar os ânimos ao afirmar que esta nova lei se adapta às circunstâncias locais mas que se pode alterar dentro dos trâmites legais. Mas a verdade é que o governo deixou de conceder licença a essa emissora de rádio que se opõem ao partido do Governo, mas concedeu-a a outra emissora.
Viktor Orbán cedeu afirmou no Parlamento estar aberto ao diálogo para futura alteração de leis
No lado do Governo Húngaro, este comprometeu-se a responder aos apelos feitos pela União Europeia e encontrarem juntos soluções para os problemas apontados, o mais rapidamente possível. A mim parece-me que o Governo Húngaro já não tem muito por onde escolher: a sua moeda, o forint, desvalorizou-se em cerca de 11,74% em relação ao euro nos últimos seis meses, e a semana passada o país sujeitou-se a uma insustentável taxa de 9% no leilão de dívida que efectuou. Face a isto, o governo tenta assegurar um pacote de 15 a 20 mil milhões de euros provenientes da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional, que permitam ao governo refinanciar a sua dívida de 4,6 mil milhões de euros, que é unanimemente classificada pelas três agências de rating como 'lixo'. Mas parece que nas actuais condições, nenhuma das instituições está disposta a doar qualquer montante. Isto já tem levantado vozes que alertam que a Hungria está a aproximar-se perigosamente de uma situação semelhante à da Grécia, o que certamente não agrada a ninguém.
E os problemas internos agitaram a ala esquerda do parlamento que, mesmo não constituindo uma alternativa forte ao Fidezs, associaram Orbán a Chávez e Fidel Castro (palavras de Cohn-Bendit, líder da ala esquerda) e afirmaram que o país com estas condições em 2004, nunca entraria na União Europeia (palavras da ala socialista).
O artigo 6º do Tratado de Lisboa pode ser já aplicado no próximo Conselho Europeu, levando a Hungria a perder o seu direito de voto nos assuntos comunitários.
E convém já referir que não estou aqui a ridicularizar as medidas tomadas por um governo que, apesar de tudo tem conseguido fazer da Hungria o que é hoje. A passagem de uma economia de Direcção Central para uma Economia de Mercado, é ainda muito recente, e certamente só quem passou por isso deve imaginar o caos que se instalou aquando da mudança de paradigma económico.
E não esqueçamos que muitos dos problemas económicos que tem enfrentado, são comuns a outros países, e estão para além do raio de acção do governo de Budapeste. E além disso, erros todos nós cometemos.
Existem centenas de processos mais ou menos semelhantes a este contra estados-membros da União Europeia, movidos por ela mesma. No entanto, desde 2004 (o ano da adesão da Hungria) apenas quatro chegaram a tribunal. Os restantes conseguiram ser resolvidos através de um diálogo e da cooperação.
A prova disso foi o que Viktor Orbán disse ontem perante os Eurodeputados de Estrasburgo, ao ceder às ameaças de sanções feitas pela União Europeia, de que vai modificar as leis polémicas incluídas na nova Constituição.
Os próximos dias certamente serão conturbados para também decisivos para o futuro da Hungria.
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