quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Os Estados e o flagelo da dívida soberana

Aproveitando a maior disponibilidade que tenho nestes dias, aproveito para continuar aqui a falar deste assunto tão actual (sobretudo para qualquer habitante dos PIIGS), ainda mais para mim que tenho formação económica.

A Zona-Euro é a região económica mais afectada pela actual crise da dívida soberana
Quando um devedor não consegue cumprir com as suas obrigações, é certo que isso trará consequências para o credor, para o devedor e para todos os agentes directa ou indirectamente relacionados com o empréstimo. E quando se trata de dívidas públicas, é toda a população de um país que é afectada negativamente, quando o Estado não consegue cumprir com os seus compromissos: nenhum de nós foi à porta dos credores pedir dinheiro emprestado - e Estado fez isso por nós - . Infelizmente, agora somos chamados a assumir responsabilidades por esses empréstimos.
Nunca é fácil lidar com dívidas do Estado, visto que o devedor é uma entidade soberana, que representa toda a população de um país, escreve e dita as leis e tem todo um exército ao seu dispor.
Desde que os Estados se puderam endividar, que existem crises de dívida soberana e, por muito que nos custe, parece que vamos ter que viver sempre com a ameaça de uma nova crise a pairar sobre nós.

No entanto, a actual crise que está a afectar os PIIGS e parece que não quer poupar outros membros da zona euro, tem precisamente essa particularidade: a existência de uma moeda única que obriga dos países-membros a se regerem por uma política monetária emanada de autoridades exteriores às suas fronteiras. A partir do momento que Portugal, Grécia, Irlanda e todos os demais membros da zona euro iniciaram o processo de adesão à moeda única, deixaram de poder emitir moeda a seu gosto, para encobrirem os problemas de incumprimento. A partir dessa altura, quando o endividamento se tornasse preocupante, o Estado só poderia resolver esse problema com o aumento de impostos: e está mais que visto como a população reage a esta solução.

É verdade que com o Euro, Portugal e Grécia (entre outros), foram "colocados no mesmo saco" que países como Alemanha e França, o que lhes permitiu passar a endividarem-se com taxas de juro mais baixas. Infelizmente, a ideia do euro foi mais política (criar uma Europa mais forte que pudesse rivalizar  com os EUA e as potências asiáticas) do que propriamente económica.
Apesar da primeira década de existência do euro aparentemente ter corrido muito bem, a verdade é que já existiam indícios de que este projecto chamado "euro" apresentava debilidades desde o início.
Países como Portugal e Itália tiveram crescimentos muito tímidos e por vezes negativos, chegando a atravessar crises económicas internas graves.
O recebimento dos fundos comunitário permitiu a países como Portugal e Grécia manter as suas dívidas abaixo do limite imposto pela União Europeia, apesar de terem crescimento negativo.

Quando foi criado o BCE, foi-lhe atribuída total independência em relação aos diversos Estados: assim, o BCE não iria comprar dívida de nenhum país que estivesse em apuros. E, para evitar qualquer tentação, foi imposto um limite 3% ao défice, como condição de adesão e permanência no euro: quem não cumprisse, poderia ser severamente penalizado. Claro que quando a Alemanha em 2003 ultrapassou esse valor, o que estava no papel como medidas para lidar com essas situações, aí ficou. Daqui se conclui que as possíveis sanções contra os Estados incumpridores dependem das circunstâncias.

Com a crise financeira de 2008, os países com situações preocupantes a nível de dívida, viram os seus problemas agravarem-se. Foi precisamente o sector financeiro que obrigou a Irlanda a um resgate financeiro internacional, e também a banca espanhola ficou à beira da insolvência, devido à falta de regulação e à elevada dimensão relativa dos bancos nestes países.
E como os bancos em geral detinham enormes quantidades de dívida soberana, foi uma questão de pouco tempo. A desconfiança dos investidores em relação à Europa, teve como primeiras vítimas, para além da Irlanda, Grécia e Portugal.

Como bem sabemos, o primeiro pedido de ajuda veio da Grécia ainda em Abril de 2010. Foi criada uma troika constituída pela União Europeia, BCE e FMI, para negociar um empréstimo monetário, a troco de um conjunto de reformas de austeridade a fim de equilibrar as contas públicas e eliminar o défice. Ainda em 2010, em Novembro, a Irlanda fez companhia à Grécia, graças à imprudência do governo irlandês de, em 2008, assegurar as dívidas dos seus bancos. No entanto, quando eles entraram em insolvência, o défice público irlandês, face aos compromissos que tinha assumido, atingiu os 30% do PIB.
Como já o povo diz que "não há duas sem três", em Maio de 2011 Portugal junta-se ao grupo. Desta vez o problema foi a falta de crescimento, um fenómeno que já parece crónico em Portugal, e que está a obrigar o país a implementar uma data de reformas estruturais.

Visto desta maneira fica-se com a ideia, que parece estar muito generalizada nos países do Norte da Europa, que os países do sul são um grupo de preguiçosos, incompetentes, irresponsáveis e corruptos. Infelizmente, aquilo que as populações dos países do Sul da Europa estão a atravessar, não é tanto problema seu, mas sim das medidas tardias, desajustadas e ineficazes implementadas pelos governos. E claro que tanto a Alemanha como a própria União Europeia têm culpa do que se está a passar pelo sul.
A melhor solução para qualquer crise é reagir de forma objectiva, certeira e o mais atempadamente possível. O que aconteceu na verdade foi uma série de discursos contraditórios, ora alertando para a necessidade de um resgate rápido aos países em situação mais preocupantes, ora menosprezando os sinais de alerta.
Para pode resgatar os países da zona euro em dificuldades, foi criado em 2010 o FEEF (Fundo Europeu de Estabilidade Financeira), que tem actualmente um fundo de €480 milhões, quantia esta que já foi inúmeras vezes revista em alta (e acredito que não deve ficar por aqui). Infelizmente, caso Espanha e Itália tenham que pedir um pacote de ajuda financeira, estes €480 milhões não serviriam para quase nada. Além disso, o montante deste fundo é obtido nos mercados através de empréstimos, com a garantia de que os países europeus conseguem reembolsar o empréstimo. Se Espanha e Itália "caem", 32% das garantias de reembolso desaparecem, e o FEEF deixa de poder se financiar. Por isso mesmo, o fantasma do incumprimento continua a assombrar espanha e Itália, e não acredito que fique por aqui.
Também da parte dos bancos, a União Europeia tem tomado medidas que levam os bancos a reduzir os seus activos, ao invés de aumentar o seu capital: o crédito ao consumo e ao investimento é cada vez mais difícil, e a contracção da actividade económica aumenta.


Possíveis soluções? Claro que as há. Mal de nós se isto fosse o fim do projecto europeu...
Existem três mudanças muito apontadas para tentar resolver este problema:
- criação de obrigações europeias, que substituam as dívidas nacionais no balanço das instituições financeiras. A maneira de as criar é ainda ambígua, mas é ponto assente que serão de grande ajuda para sair do ciclo vicioso desta crise.
- harmonizar a regulação dos diferentes sistemas bancários europeus, o que certamente não teria conduzido a Irlanda e espanha à situação crítica em que estão. Criar uma moeda e um banco central únicos, sem uma regulação bancária única é no mínimo... bizarro.
- criar regras e procedimentos específicos e concretos para actuar quando acontecer algo semelhante ao que a Europa está a atravessar, para que o problema de um país, não afecte todo um continente.

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