A associação da Itália ao assunto da crise das dívidas soberanas na Europa, não é propriamente recente. Já antes de Portugal ter pedido oficialmente ajuda financeira internacional, se alertava para o perigo de contágio a Itália.
Com o pedido de resgate de Portugal, e o contínuo afundamento da Grécia, a sombra do contágio tem pairado com mais força sobre este país do Mediterrâneo.O problema mais grave é estarmos a falar da 3ª economia da zona euro e, resgatar a Itália, não é o mesmo que resgatar as "pequenas" economias como a Grécia, a Irlanda e Portugal.
Mas será que este problema na Itália é só de agora?
O problema da taxa de juro real
Há quem diga que não. Que aquilo que a Itália está a gora a sofrer é fruto não só da actual crise e do efeito de contágio, mas também a "ressaca" de políticas que foram introduzidas há mais de 30 anos, com vista à futura adesão ao euro.
Apesar de as vozes que se fazem ouvir em Bruxelas e Frankfurt acusarem a Itália de ter chegado a este ponto devido à inexistência de tecnocratas frios, com capacidade para introduzirem rapidamente e em força, as reformas que se julguem essenciais para resolver os problemas económicos estruturais do país, a verdade é que, uma olhadela mais cuidada aos dados, e mais recuada no tempo, permite concluir que os problemas com a dívida pública italiana não são apenas fruto do comportamento desregrado do actual governo, mas também (e principalmente) fruto de políticas que foram aplicadas há mais de 30 anos, com vista à futura adesão ao euro.
Recuemos até 1979. Neste ano foi criado o Sistema Monetário Europeu (SME), um dos primeiros passos para a criação da moeda única, e portanto o protótipo da futura zona euro. Para participar no SME era exigido aos países da UE que mantivessem a oscilação das suas próprias moedas dentro de certos limites, e tendo sempre por comparação as moedas dos outros países participantes. Isto era essencial para controlar a volatilidade e assim ser possível criar uma mesma moeda para todos esses países.
Na altura, a Itália apresentava uma das mais elevadas taxas de inflação do mundo desenvolvido. Por isso, para conseguir este objectivo de controlo sobre a volatilidade da libra italiana, era necessário que o país tivesse taxas de juro nominal muito elevadas de forma a que a libra não perdesse muito terreno face ao marco alemão (que na prática acabava por ser a única moeda de referência para todos os países participantes neste período de preparação para a moeda única).
Este aumento da taxa de juro teve um forte impacto negativo nas finanças públicas de Itália.
Mas nesta altura, o país pagou juros acima de 7% e sobreviveu. É verdade. Mas o problema actual é o receio de que a taxa de juro continue a subir descontroladamente.
Naquela altura, assistiu-se a uma explosão do valor da dívida pública em percentagem do PIB italiano: passou rapidamente de quase 60% em 1980 para cerca de 120% em 1994, encontrando-se actualmente muito próximo desse valor. Os pagamentos de juros em percentagem do PIB também cresceram exponencialmente de 4% para 12%.
Existe ainda outro factor apontado por muitos economistas, e que ajuda a explicar o actual problema da Itália.
Em 1981, o Governa de Roma aplicou uma reforma que anteciparia os efeitos da entrada de Itália na zona euro: o Banco de Itália separou-se do tesouro italiano, deixando de poder comprar os bónus que sobrassem dos leilões de dívida pública italiana. É esta a data apontada por muitos economistas, para o início da grande carga da dívida pública sobre a economia italiana.
Voltando ao problema da inflação e da taxa de juro, enquanto a inflação permaneceu alta (desde finais dos anos 70 até princípios dos anos 80) era pertinente que o Banco de Itália quisesse manter elevadas taxas de juro. Mas, quando a taxa de inflação desceu dos 20% para menos de 6.5% em fins dos anos 80, o Banco de Itália deveria ter então reduzido a sua taxa de juro.
Mas não o fez.
Em 1992 a taxa de inflação era de 5%, mas a taxa de juro mantinha-se nuns elevados 15%. Por isso, a taxa de juro real (diferença entre a taxa de juro nominal e a taxa de inflação) era demasiado elevada. Logo, o peso da dívida pública no total da economia aumentou consideravelmente.
Infelizmente, como o Banco Italiano já não comprava os bónus do leilão de dívida pública, era necessário manter a taxa de juro nominal em valores tão elevados para incentivar as pessoas a comprarem esses bónus.
O desejo de limitar a desvalorização da libra acabou por monopolizar as políticas do Banco de Itália.
Se a União Europeia continuar com a política de "desprezar os membros doentes do organismo europeu", o coração não vai aguentar sozinho.
É óbvio que os problemas da dívida pública italiana também se devem a orçamentos desajustados e a políticos imprudentes.
Desde o início da crise das dívidas soberanas que os dados estatísticos mostram um cenário preocupante - os pagamentos dos juros da dívida pública representam uma parcela cada vez maior do défice público.
Mas o problema das elevadas taxas de juro, não afecta apenas o peso da dívida pública no défice, mas também o crescimento de toda a economia. A Itália foi um dos países do mundo com a maior taxa de crescimento económico a seguir à II Guerra Mundial, e apesar do abrandamento a partir dos anos 80, só com a desvalorização da lira aquando da entrada do país no SME, é que a estagnação tornou-se um problema crónico da economia italiana, levando a Itália para o grupo dos países com menor crescimento na Europa. E sem crescimento económico, obviamente que é mais difícil ao país livrar-se da carga da dívida.
Em meados dos anos 80, depois de resolvido o problema da inflação, o Banco de Itália não tinha muito por onde actuar pois, a redução da taxa de juro nominal, o mais provável seria um ressurgir da inflação e uma nova desvalorização da moeda, o que seria catastrófico tanto para a Itália, como para a Europa. Daí que a subida da taxa de juro tenha sido necessária para bloquear a taxa de inflação.
Actualmente, o país está a sofrer com os efeitos de todas estas políticas económicas que prepararam o terreno para o euro, Olhando em retrospectiva, essas medidas mantiveram os juros elevados demais durante demasiado tempo.
E a título de curiosidade, deixo de seguida o vídeo que mostra Elsa Fonero, ministra italiana do Trabalho e da Segurança Social, a apresentar o plano de austeridade à Câmara de Deputados e ao Senado, até ao momento em que disse que custava muito pedir aos italianos sacrifícios, mas a frase ficou-se pelo sac... pois as lágrimas impediram-na de acabar de dizer a palavra sacrifício.
PS: as minhas desculpas para quem já me pediu há muito tempo para colocar uma análise da crise da dívida soberana nos 5 países da União Europeia, com as situações mais críticas. Só agora me foi possível fazer a análise da Itália. Em princípio até ao final da próxima semana devo apresentar uma análise à situação da Irlanda.
Quanto à Espanha, em princípio não vou perder o meu tempo com isso.
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