domingo, 28 de outubro de 2012

Razões para a Regionalização de Portugal Continental (II)

Como tinha referido na mensagem anterior, vou agora continuar a minha reflexão sobre as razões para a regionalização de Portugal Continental, continuando com a abordagem segundo a teoria económica, começando precisamente pela análise normativa e positiva.



- Análise normativa: relativa à questão de quais as funções a ser desempenhadas por cada nível de administração, ou seja, como idealmente devem estar atribuídas as funções e competências a cada nível de governo.

- Análise positiva: relativa à questão de como deverão funcionar os órgãos descentralizados.

Associada à análise normativa, está a descentralização financeira ou o federalismo orçamental.
Teoricamente, existem três funções da competência do Estado - afectação, redistribuição e estabilização - que podem ser centralizadas ou descentralizadas como se explica de seguida.
  • Função estabilização: é a função que pretende atingir os objectivos macroeconómicos através dos adequados instrumentos de política orçamental ou monetária. A centralização desta função é obrigatória pois, não só porque no caso português e de outros membros da União Europeia, muitos dos instrumentos atrás enunciados já não estão ao alcance dos Estados, como os actuais muito provavelmente não trariam os benefícios desejados caso fossem aplicados descentralizadamente.
  • Função redistribuição: diz respeito aos aspectos de promoção da equidade e justiça social. Deve ser centralizada e desconcentrada administrativamente.
    Caso não o fosse, as regiões com políticas mais redistributivas (que implementassem os instrumentos de forma diferenciada) iriam atrair mais cidadãos desfavorecidos, ao mesmo tempo que os menos desfavorecidos acabariam por abandonar essa região. No entanto, os instrumentos desta função podem não ser todos centralizados. Os que afectem directamente a distribuição do rendimento devem-no ser, mas por exemplo as prestações em espécie (como seja o fornecimento de "bens de mérito"), poderá ser alvo de alguma descentralização, mas só a nível local.
  • Função afectação: Esta função, relacionada com a eficiência, deve ser alvo de descentralização. O motivo de base é a existência de bens públicos locais, regionais e nacionais, que afectam diferentes grupos de agentes, com diferentes dimensões. Cada nível de governo deve fornecer os bens de acordo com o perímetro óptimo de benefícios que esse bem fornece: se o perímetro óptimo de um bem é todo o território nacional, então o fornecimento desse bem deve estar a cargo da AC. Mas se o perímetro óptimo for regional ou local, então o seu fornecimento deve estar a cargo da Administração regional e local respectivamente. Daí que, face à existência de bens públicos regionais, a maneira de conseguir uma melhor afectação no seu fornecimento passará sem dúvida pela criação de Governos Regionais. Também assim se conseguirá uma melhor optimização das potencialidades dos recursos materiais, técnicos e humanos afectos a esse nível de governo, e que estarão ao seu dispor para exercer as suas funções.


Quanto ao financiamento dos governos regionais, este deve ser estabelecido em concordância com os restantes níveis de governo, pressupondo a partilha das receitas dos principais impostos, autonomia fiscal em relação a pelo menos um deles, e um sistema de transferências entre os vários níveis de governo, com o intuito de corrigir desigualdades nas disposições orçamentais de cada região.

Quanto à análise positiva, esta também dá o seu contributo, ao apresentar a regionalização como um meio para garantir uma afectação de recursos mais eficiente. Esta análise assenta numa clarificação da motivação dos agentes e na distribuição do poder entre eles, nas regras que influenciam o tipo de oportunidades e de "trocas" que se podem realizar numa situação de decisão colectiva.
Sobre esta matéria a literatura económica apresenta-nos as questões do comércio de votos (lorolling) e da actividade de procura de rendas (rent-seeking activity), que serão de seguida explicados através de dois exemplos.


O comércio de votos: imaginemos tres projectos de investimento de âmbito regional, e que por isso só trarão benefícios para a região a que digam respeito. Se a decisão dos projectos for centralizada, todas as regiões terão que financiar o projecto, e todas as regiões a que o  projecto não diga respeito, terão um benefício negativo com a sua implementação.
Assim, através de uma análise custo-benefício (ACB) nacional, o projecto aprovado seria sempre o que teria um benefício líquido (diferença entre benefícios totais e custos totais) nacional maior, como se pode ver neste exemplo numérico:

 PROJECTO X: Projecto a ser implementado e a beneficiar apenas a região Norte. Dá um benefício líquido de 10 u.m. (unidades monetárias, que aqui podemos assumir que seriam milhões de euros) para esta região e de - 5 u.m. para o Centro e Sul.

 PROJECTO Y: Projecto a ser implementado e a beneficiar apenas a região Centro. Dará um benefício líquido de 7 u.m. para esta região, e de - 3 u.m. para o Norte e o Sul.

 PROJECTO Z: Projecto a ser implementado e a beneficiar apenas a região Sul. Dará um benefício líquido de 8 u.m. para esta região, e de - 7 u.m. para o Norte e para o Centro.

Nestas condições, se a decisão do projecto a implementar fosse centralizada, decidida na Assembleia da República, ganharia o projecto com o benefício líquido maior.

Cada região votaria no seu próprio projecto, e assim o Projecto aprovado seria o projecto Y, que é o que dará um benefício menor para a região a que se destina, mas que em contrapartida é o que trará menores custos para as outras regiões.
Isto é um exemplo de que o projecto com o maior benefício líquido nacional, poderá ser o que trará menor benefício para a região onde se vai implementá-lo.
No entanto, de acordo com a análise positiva, suponhamos que existiam troca de votos entre os deputados do Norte e do Sul, para que os seus projectos fossem aprovados em vez do projecto Y.


Com a aprovação dos projectos X e Z através do Comércio de votos, tanto a região Norte como Sul teriam um benefício maior do que se fosse aprovado o projecto Y, mas a região Centro teria um benefício líquido negativo muito grande.
Assim está demonstrado o problema do comércio de votos quando a decisão é centralizada.


Outra das situações que se pode verificar com a descentralização é a procura de rendas (rent-seeking) que consiste na actividade política de indivíduos que empenham recursos escassos para obterem direitos de monopólio fornecidos pelos governos regionais.
De facto, com a descentralização, em vez de haver apenas um monopolista (o Estado Central) passa a haver tantos quantas as regiões criadas, e com eles a hipótese de aplicação por parte dos agentes privados de recursos de forma improdutiva de forma a obterem esse privilégio (as despesas com o empenhamento dos recursos é um custo social e os privilégios de monopólio que são concedidos constituem uma perda de bem-estar).
Apesar de a procura de rendas ser feita por agentes privados, existe a possibilidade de com a criação das regiões, que os agentes regionais se envolvam em actividades de procura de rendas adicionais para a sua região.


Regionalização e competitividade:

É ponto assente no pensamento económico que, uma melhoria na afectação de recursos é essencial para o aumento da competitividade de uma economia.
E claro que Portugal não é excepção. A própria maneira como a Administração Pública (AP) está organizada demonstra isso.
Apesar de não existirem Governos Regionais, alguns serviços e funcionários da AP já foram afectos às regiões respectivas desses serviços. No entanto, estes serviços desconcentrados respondem directamente à Administração Central com sede em Lisboa: o problema da distância entre a sede de decisão e a realidade regional mantém-se.
Além disso, o facto de  órgão de decisão ter a seu cargo todas as regiões, não lhe possibilita dar a devida atenção à realidade de cada região.
Assim sendo, a criação dos governos regionais permitiria uma tomada de decisão mais eficaz, permitindo uma afectação mais eficiente dos recursos e consequentemente um aumento da produtividade.
Isso poderá permitir uma redução de custos: desde que a redução de custos com a melhoria na afectação dos recursos seja superior aos custos com a criação dos governos regionais, o que poderá muito bem acontecer.



Para a próxima e última mensagem, deixo a questão dos impactos a nível político-administrativo da regionalização.

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