sexta-feira, 18 de abril de 2014

Paixão de Cristo: a inocência dos "culpados"

Sexta-feira Santa. A Igreja católica celebra hoje o dia da morte de Cristo. Por todo o mundo, centenas de milhões de pessoas acorrem às Igrejas para participar nas celebrações litúrgicas oficiais, e saem às ruas para participarem em inúmeros actos de piedade cristã que evocam as últimas horas da vida de Cristo, baseando-se nos relatos da Bíblia e na tradição popular. Em muitas cidades e em muitos países este é um dos dias mais importantes do calendário religioso e civil. É sem dúvida nenhuma um dia carregado de emoções e repleto de tradições.
Claro que neste dia não é só invocada a pessoa de Jesus Cristo, mas também das outras personagens que de acordo com a Bíblia tomaram parte, muito ou pouco, activa nas últimas horas da vida de Cristo. Desde a Virgem Maria aos pelos Apóstolos, Verónica, Simão de Cirene, Nicodemos ou os ladrões crucificados um de cada lado de Cristo. Alguns ou todos eles são representados na arte própria deste dia e tomam parte nas inúmeras procissões que neste dia se fazem.
Mas para além destas personagens que caíram nas boas graças da piedade popular e da tradição da Igreja, existem muitas outras, que foram sendo odiadas ao longo dos séculos pois sempre foram vistas como as culpadas da condenação, paixão, crucificação e condenação de Cristo. No entanto esse ódio pode não passar de um mal-entendido. Vejamos:


O povo judeu


O mesmo povo que uns dias antes aclamava Jesus como Messias Salvador,
acabou por clamar pela sua crucificação
Começo por falar do povo judeu em geral, daqueles cujos nomes não são referidos nos Evangelhos, sendo apenas referidos como "uma multidão". É esta multidão que alguns dias antes da noite de quinta-feira santa aclamou Jesus como Rei, Messias e Salvador quando este entrava solenemente em Jerusalém, e que a Igreja celebra anualmente no Domingo de Ramos. É esta mesma multidão que diante de Pilatos pediu alguns dias depois a morte de Jesus pela cruz e que o insultava e agredia enquanto levava a Cruz a caminho do Calvário.
É certo que se pode argumentar que este povo era analfabeto e pouco culto e que foram fortemente influenciados pelos sumos sacerdotes, que detinham um poder inquestionável dentro da sociedade judaica. Mas não nos podemos esquecer que ao longo dos séculos, muitas vezes o povo analfabeto e inculto conseguiu fazer ouvir a sua voz, contra as classes dominantes, quando achava que existia alguma situação errada, e muitas vezes através de revoltas e tumultos conseguiam fazer valer a sua vontade.

Os Sumos Sacerdotes


Caifás e toda a coorte foram a primeira autoridade a condenar Jesus à morte.

Caifás e seu sogro Anás, juntamente com todo a coorte foram os primeiros a condenar Jesus. Nos Evangelhos se pode ler todo o diálogo entre Jesus e os Sumos Sacerdotes, e todas as tentativas desesperantes que estes encontraram para incriminar Cristo. Ao contrário da multidão, os Sumos Sacerdotes eram muito cultos e bem conhecedores da lei e dos preceitos judaicos. Foram os principais impulsionadores da condenação de Jesus, porque viram n'Ele uma ameaça ao seu poder, depois de verem os efeitos que Jesus tinha junto das multidões. Conseguiram convencer não só a multidão como persuadir Pilatos, ao colocarem-no entre a espada e a parede. Apesar de não se saber o que aconteceu aos sumos sacerdotes depois da morte de Jesus, a Igreja e a tradição sempre os colocou entre os culpados da condenação de Cristo, nunca havendo alguma voz discordante.

Judas Iscariotes


Este beijo de Judas a Jesus tornou-se
 o gesto de traição mais conhecido na História
Vou agora falar da pessoa mais odiada em todos os Evangelhos, ao ponto do Evangelho segundo S. João referir que o próprio Diabo estava dentro do apóstolo Judas. Desde a Véspera do Sábado de Páscoa do agora conhecido como ano 33 da nossa Era, que sobre Judas saiu uma das maiores maldições da História. Actualmente as probabilidades de se encontrar nos países maioritariamente cristãos, alguma pessoa ou até um animal com o nome de Judas são quase nulas. Chamar Judas a alguém é um insulto, sinónimo de falso, traidor, vendido ou criminoso. Mais do que a multidão ou os sumos sacerdotes, Judas Iscariotes foi ao longo dos séculos o mote para todo o ódio contra os Judeus e a sua culpabilidade no processo de condenação e morte de Cristo.
Nunca houve uma voz dissonante ao longo dos séculos que atenuasse todo o ódio dirigido a este discípulo de Cristo, até recentemente. Numa mensagem que eu publiquei há alguns meses atrás, dei conta da descoberta de um pergaminho que mais tarde foi cientificamente comprovado como sendo original e antiquíssimo, intitulado "O Evangelho de Judas". Nele, a pessoa de Judas é apresentada numa perspectiva completamente diferente da ideia que dele foi sendo construída ao longo dos séculos. Claro que a ideia de Judas a entregar Cristo se mantém, só que neste "Evangelho" este gesto não é visto como traição mas antes como a prova do lugar privilegiado que Judas detinha. Judas é visto como o discípulo mais amado por Cristo e o único que percebia de facto qual a missão de Jesus, e por isso o único em quem Cristo de facto confiava. Por isso, em vez de ser a criatura mais desprezível nesta História, segundo este texto Judas seria um Santo e um dos mais importantes aos olhos de Cristo.
 Apesar dos fortes argumentos a favor da veracidade deste "Evangelho", a verdade é que a imagem negativa sobre Judas vai-se manter quase inalterável.

Pôncio Pilatos


Apesar da ordem definitiva da condenação à morte de Jesus,
a culpabilidade de Jesus tem sido desviada para outras personagens
Esta é para mim a personagem mais intrigante e mais misteriosa. Apesar de já ser o governante emissário do Imperador Romano para a Palestina muito antes da paixão e morte de Cristo, a verdade é que a referência a Pilatos apenas surge no relato da Paixão e volta a desaparecer para o anonimato.
Pilatos não era Judeu e apenas se mudou para a Palestina quando foi nomeado Prefeito. E apesar de ser quem decretou a condenação de Cristo à morte na Cruz, a verdade é que os próprios Evangelhos canónicos apresentam vários sinais da inocência de Pilatos em todo este processo. Primeiro, pelo seu choque face à maneira como os sumos sacerdotes e toda a multidão procuravam desesperadamente razões para condenar Cristo e como tratavam um Homem que não tinha constituído até então qualquer perigo para o poder de Roma naquela região. Depois a ordem de mandar açoitar Cristo foi vista como uma forma de procurar contentar a população sem implicar a morte deste Homem, que muitos defendem que aos olhos de Pilatos, era um inocente e até um Santo. Os Evangelhos são bem claros ao referir que Pilatos procurou várias vezes, razões para libertar Jesus.
Por fim, o gesto que aparece no Evangelho segundo S. Mateus do lavar das mãos como sinal de que Pilatos não queria qualquer responsabilidade sobre o que se iria passar com Cristo, apesar de pretender mostrar que Pilatos não concordava com o que se iria passar, não esconde que foi Pilatos que deu ordem para Jesus ser morto.
No entanto, pouca culpabilidade foi atribuída a Pilatos e nas Igrejas Orientais ele é aclamado como Santo, tendo a tradição referido que Cristo apareceu mesmo a Pilatos depois de ter ressuscitado.



As Sagradas Escrituras dizem-nos que estava predestinado desde o princípio que Jesus iria padecer desta forma. E de facto para tal acontecer, alguém teria que contribuir para tal. Era inevitável, e se ninguém tivesse assumido da responsabilidade da morte de Cristo, Este não teria depois ressuscitado. No entanto, tal protagonismo trouxe um ódio que perpetua ao longo dos séculos e que não pode ser dissociado das celebrações deste dia.


BOA PÁSCOA PARA TODOS!!!

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